terça-feira, 27 de março de 2018

A une femme






Enfant ! si j'étais roi, je donnerais l'empire,
Et mon char, et mon sceptre, et mon peuple à genoux
Et ma couronne d'or, et mes bains de porphyre,
Et mes flottes, à qui la mer ne peut suffire,
Pour un regard de vous !

Si j'étais Dieu, la terre et l'air avec les ondes,
Les anges, les démons courbés devant ma loi,
Et le profond chaos aux entrailles fécondes,
L'éternité, l'espace, et les cieux, et les mondes,
Pour un baiser de toi !



Victor HUGO (1802-1885)

segunda-feira, 26 de março de 2018

1871: A Comuna de Paris



Em 26 de março de 1871 eclodiu a insurreição conhecida como Comuna de Paris, com a instituição de uma ditadura proletária, esmagada por tropas francesas conservadoras e estrangeiras em maio do mesmo ano.






Ruínas do Hotel de Ville, sede da Comuna

O tiro de partida para a insurreição havia sido dado um mês antes, quando manifestantes de esquerda haviam capturado 200 canhões da Guarda Nacional. Há exatamente oito dias, o governo conservador tentava em vão retomar as armas e, depois do fiasco e de forma totalmente inesperada, se retirou para Versalhes em 18 de março.

Foram várias as razões para a insurreição de Paris. A França havia perdido uma guerra para a Alemanha. Os termos da paz proposta pelos prussianos foram rejeitados pelo socialista Louis Blanc e o anarquista Joseph Proudhon. Quando o resto do país já havia capitulado, Paris manteve a resistência.

Revolta espontânea

As tropas prussianas mantiveram a cidade sitiada durante meses. As privações consequentes do cerco custaram a vida de milhares de pessoas. Mesmo depois da capitulação, em janeiro de 1871, o drama social dos parisienses era grande, pois o gabinete conservador nacional governava à revelia das necessidades da população de Paris. Tudo isso gerou uma revolta espontânea contra o governo em março de 1871.

Após a retirada do governo de Paris para Versalhes, os revolucionários vitoriosos deliberaram sobre novas medidas. Alguns queriam marchar imediatamente para Versalhes e prender o governo antigo. Mas a maior parte dos insurgentes não tinha ambições de longo alcance. Eles queriam simplesmente autonomia política local. Quer dizer, desejavam um governo de maioria de esquerda conquistado em eleição e com isso se tornarem independentes do governo nacional conservador. Por isso, o Comitê Central convocou uma eleição municipal para 26 de março de 1871.

Atender necessidades do proletariado

O resultado da eleição foi o desejado pela esquerda. Em 28 de março entrou para a comuna uma mistura de jacobinos, anarquistas e socialistas, que se denominou "A Comuna". Em seus dois meses de governo, ela aprovou uma série de leis. As principais visavam atender as necessidades mais prementes do proletariado parisiense.

Entre as mais profundas destacaram-se a separação entre o Estado e a Igreja, o fim dos privilégios dos nobres, a autonomia do governo de Paris e a famigerada "lei do refém", que ameaçava com a pena de morte aquele que cooperasse com o governo antigo.

A experiência da Comuna de Paris chegou ao fim com uma semana sangrenta, após dois meses caóticos que se seguiram ao começo entusiástico. As tropas do governo que se encontrava em Versalhes conquistaram a cidade de volta depois de batalhas sangrentas. A Comuna de Paris matou cerca de 500 presos, principalmente policiais e clérigos, inclusive o arcebispo da cidade.

Começou uma cruzada sangrenta de vingança depois da tomada de Paris pelas tropas governamentais. Eram executados todos os que faziam parte da Comuna de Paris ou pareciam ser simpatizantes. Historiadores calculam que as tropas governamentais mataram de 20 mil a 25 mil pessoas depois de conquistar a capital.

Autoria Rachel Gessat (ef)

Palavras-chave calendário histórico, Comuna de Paris, 26/03/1871, insurreição de Paris, guerra franco-prussiana, Versalhes

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1871: Termina a "semana sangrenta" de Paris



A semana de 21 a 28 de maio, que marcou o fim da Comuna de Paris, foi um dos episódios mais sangrentos da história da França.



O dia 28 de maio de 1871 foi um domingo, o Domingo de Pentecostes. Enquanto em outros lugares era festejada a descida do Espírito Santo, os fatos em Paris mais lembravam o inferno do que o céu. As lutas desesperadas entre os rebeldes da Comuna de Paris e as tropas do Exército já duravam uma semana.

Uma testemunha ocular narrou: "Eugène Varlin, que tinha lutado até o último instante, chegou a alcançar a Rue Lafayette, quando foi reconhecido por um oficial de Versalhes. Com as mãos amarradas nas costas, ele foi levado a Montmartre; durante todo o caminho para lá, ele foi golpeado com coronhas de fuzil e quase linchado por uma entusiástica multidão de parisienses. Quando chegou à tenebrosa Rue des Rosiers, o seu rosto estava massacrado e um olho pendia da cavidade ocular. Ele não conseguia mais ficar de pé, por isso foi arrastado para o jardim e fuzilado, sentado numa cadeira".

Dois meses caóticos

Com essa "semana sangrenta" terminou o experimento da chamada "Comuna de Paris", que durara dois caóticos meses. A Comuna surgira de maneira espontânea, alimentada por conflitos políticos e sociais. A guerra perdida contra a Alemanha, os meses de privação em decorrência do cerco pelos prussianos e um governo rural e conservador, que não demonstrava qualquer sensibilidade para a miséria da população urbana de Paris – tudo isto levou, em março de 1871, a uma rebelião contra o governo, que se retirou para Versalhes.

No dia 28 de março de 1871, uma horda heterogênea de jacobinos, anarquistas, socialistas e patriotas, que recusavam o acordo de paz com a Alemanha, invadiu a prefeitura parisiense. Eles se autodenominavam La Commune, a Comuna.

Nos dois meses do seu governo, a Comuna aprovou uma série de leis, cujo principal objetivo era atenuar a miséria do proletariado parisiense; mas também outras leis de caráter básico, como por exemplo, a separação da Igreja e do Estado, a abolição dos privilégios da nobreza, a autonomia do governo municipal, além de uma lei que ameaçava punição de morte a todo aquele que cooperasse com o antigo governo de Versalhes. Inúmeros militares e clérigos, entre eles o arcebispo de Paris, foram tomados como reféns.

Ação militar do governo

Enquanto isso, o governo de Versalhes preparava-se para retomar a cidade e o poder com uma ação militar. As simpatias da população estavam divididas entre os velhos conservadores e o novo governo de esquerda. Na noite de 21 de maio, as primeiras tropas governamentais invadiram a cidade, começando o que posteriormente seria chamado de "semana sangrenta" (semaine sanglante).

Inicialmente, as tropas governamentais não encontraram grande resistência. Mas as lutas foram se tornando cada vez mais ferozes, pois os integrantes da Comuna logo perceberam que nada mais tinham a perder. O antigo governo visara, desde o início, uma solução militar do conflito. Qualquer suspeito de integrar a Comuna, ou meros simpatizantes eram imediatamente fuzilados.

As tropas de Versalhes avançaram bairro por bairro, enquanto a Comuna erigia centenas de barricadas com pedras de calçamento e sacos de areia. Na sua retirada, os integrantes da Comuna ateavam fogo em tudo: na noite de 24 de maio foi incendiado o castelo das Tulherias, ruas inteiras foram consumidas pelas labaredas. Nos últimos dias de luta, inúmeros reféns foram mortos, entre eles também o arcebispo de Paris.

Com a queda da última barricada, no dia 28 de maio de 1871, terminou a "semana sangrenta", mas não o derramamento de sangue. Milhares ainda foram mortos, nos dias seguintes, nos parques, quintais e nas casernas. Os historiadores calculam que a Comuna tenha assassinado cerca de 500 adversários políticos, enquanto as tropas governamentais mataram entre 20 e 25 mil pessoas durante a reconquista de Paris e nos dias imediatamente posteriores.

Autoria Rachel Gessat/am

Palavras-chave Semana Sangrenta, Comuna de Paris, jacobinos, 28/05/1871

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Autoria Rachel Gessat/am

segunda-feira, 19 de março de 2018

Considerações sobre o fim do povo brasileiro como possibilidade



Parece que a cada dia que passa desde o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes o episódio se torna mais e mais revelador da profundidade e do caráter irreversível da crise brasileira. Dentre tantos fatos e tendências relevantes me ocorre citar o que me parece ser o mais significativo: o caráter das manifestações públicas aos assassinatos caracterizados pela repulsa a um ato bárbaro, covarde e inaceitável. E ai reside uma das faces mais interessantes da atual crise porque revela o perfil inédito das manifestações populares. Vimos como no caso do julgamento do ex-presidente lulla no TRF-4 em Porto Alegre, em janeiro o ex-ministro Zé Dirceu, apesar de ter convocado a militância (que compareceu em peso) para “luta e combate” absolutamente nada aconteceu além de um tipo de compartilhamento coletivo de derrota sem qq efeito prático e esvaziado de sentido político. Trata-se de mais um episódio típico da assim chamada “conciliação” de classes praticada desde sempre pelo lullismo. Outro tipo de manifestação popular foram as motivadas pelo protesto e/ou luto pelos assassinatos de Marielle e Anderson, caracterizadas pela multiplicidade de apropriações do evento praticadas pelas diversas militâncias identitárias pós-modernas. Relegando a segundo plano a luta da falecida vereadora contra a violência policial, tais militâncias se apressaram em converte-la em ícone das demandas das mulheres, dos negros, dos favelados, das lésbicas, dos bissexuais, das mães solteiras e por ae afora. Até mesmo os manifestantes lullistas pretenderam associar o que alegam ser a perseguição a lulla aos assassinatos como se ambos eventos fizessem parte de um mesmo “golpe”. Ou seja, tais manifestações apenas aparentemente são de massa porque revelam a profunda divisão que existe entre os que delas participam. Além de divididos os manifestantes fazem questão de explicitar seu antagonismo aos demais, uma vez que a excludente e insular categoria do “lugar-de-fala” pregada pela militância identitária neoliberal a serviço do rentismo internacional pressupõem o monopólio do protagonismo por cada fração – minúscula como possa ser – na reivindicação do sentido político dos assassinatos. Dae a hostilidade, senão condenação, aos manifestantes que pretendem protagonizar os protestos em se tratando de indivíduos não-negros, moradores das regiões centrais, heterossexuais, cisgeneros, lullistas, etc. Neste caso temos uma multidão que é só aparente porque se trata na verdade de um conjunto de militâncias não apenas profundamente divididas mas hostis umas às outras e entre si msms. Com base nos dois exemplos citados pode-se elencar os novos tipos de manifestação popular do contexto atual: 1) manifestação com perfil militante definido mas sem propósito concreto; 2) manifestação que aparenta ser coletiva mas que na verdade é tão heterogênea que de evento de massa conserva só a aparência e seu sentido último pode ser, no limite, a confrontação entre seus participantes. É duvidoso que se possa contar com qualquer uma delas para se provocar qq mudança relevante. Pode ser que estejamos presenciando não apenas o fim da multidão como propôs Mike Davis (1990) mas também o fim do povo brasileiro enquanto possibilidade histórica, aquele que noutros tempos teria tornado possível as maiores manifestações de massa da história recente, como foram as da campanha em prol de eleições diretas-já (1984). A crise segue se aprofundando e é duvidoso, tomando como exemplo os dois tipos de manifestações citadas, que se possa contar com o protagonismo popular para definir seu desfecho. A possibilidade histórica de uma solução conservadora, senão reacionária, para a crise só aumenta, devendo os precedentes históricos de 1990 e 1964 serem tomados como base para reflexão.

Dennison de Oliveira

a questão "racial no Brasil":



Dedico este post aos militantes dos movimentos negros.


Eu não esperava apoio para o que venho dizendo há pelo menos 30 anos, assim como os colegas Peter Fry e Yvonne Maggie entre vários outros, de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, dois intelectuais reconhecidamente de esquerda. Eles dois não citam nossos trabalhos, mas estão de pleno acordo com eles. O texto completo está em Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, no 1, 2002, pp. 15-33.

"Em um campo mais próximo das realidades políticas, um debate como o da “raça” e da identidade dá lugar a semelhantes intrusões etnocêntricas. Uma representação histórica, surgida do fato de que a tradição americana calca, de maneira arbitrária, a dicotomia entre brancos e negros em uma realidade infinitamente mais complexa, pode até mesmo se impor em países em que os princípios de visão e divisão, codificados ou práticos, das diferenças étnicas são completamente diferentes e em que, como o Brasil, ainda eram considerados, recentemente, como contraexemplos do “modelo americano”. A maior parte das pesquisas recentes sobre a desigualdade etno-racial no Brasil, empreendidas por americanos e latino-americanos formados nos Estados Unidos, esforçam-se em provar que, contrariamente à imagem que os brasileiros têm de sua nação, o país das “três tristes raças” (indígenas, negros descendentes dos escravos, brancos oriundos da colonização e das vagas de imigração européias) não é menos “racista” do que os outros; além disso, sobre esse capítulo, os brasileiros “brancos” nada têm a invejar em relação aos primos norte-americanos. Ainda pior, o racismo mascarado à brasileira seria, por definição, mais perverso, já que dissimulado e negado. É o que pretende, em Orpheus and Power (1994), o cientista político afro-americano Michael Hanchard: ao aplicar as categorias raciais norte-americanas à situação brasileira, o autor erige a história particular do Movimento em favor dos Direitos Civis como padrão universal da luta dos grupos de cor oprimidos. Em vez de considerar a constituição da ordem etno-racial brasileira em sua lógica própria, essas pesquisas contentam-se, na maioria das vezes, em substituir, na sua totalidade, o mito nacional da “democracia racial” (tal como é mencionada, por exemplo, na obra de Gilberto Freyre, 1978), pelo mito segundo o qual todas as sociedades são “racistas”, inclusive aquelas no seio das quais parece que, à primeira vista, as relações “sociais” são menos distantes e hostis. De utensílio analítico, o conceito de racismo torna-se um simples instrumento de acusação; sob pretexto de ciência, acaba por se consolidar a lógica do processo (garantindo o sucesso de livraria, na falta de um sucesso de estima).


Em um artigo clássico, publicado há trinta anos, o antropó- logo Charles Wagley mostrava que a concepção da “raça” nas Amé- ricas admite várias definições, segundo o peso atribuído à ascendência, à aparência física (que não se limita à cor da pele) e ao status sociocultural (profissão, montante da renda, diplomas, região de origem, etc.), em função da história das relações e dos conflitos en- tre grupos nas diversas zonas (Wagley, 1965). Os norte-americanos são os únicos a definir “raça” a partir somente da ascendência e, exclusivamente, em relação aos afro-americanos: em Chicago, Los Angeles ou Atlanta a pessoa é “negra” não pela cor da pele, mas pelo fato de ter um ou vários parentes identificados como ne- gros, isto é, no termo da regressão, como escravos. Os Estados Uni- dos constituem a única sociedade moderna a aplicar a one-drop rule e o princípio de “hipodescendência”, segundo o qual os filhos de uma união mista são, automaticamente, situados no grupo in- ferior (aqui, os negros). No Brasil, a identidade racial define-se pela referência a um continuum de “cor”, isto é, pela aplicação de um princípio flexível ou impreciso que, levando em consideração traços físicos como a textura dos cabelos, a forma dos lábios e do nariz e a posição de classe (principalmente, a renda e a educação), engendram um grande número de categorias intermediárias (mais de uma centena foram repertoriadas no censo de 1980) e não implicam ostracização radical nem estigmatização sem remédio. Dão testemunho dessa situação, por exemplo, os índices de segregação exibidos pelas cidades brasileiras, nitidamente inferiores aos das metrópoles norte-americanas, bem como a ausência virtual dessas duas formas tipicamente norte-americanas de violência racial como são o linchamento e a motim urbano (Telles, 1995; Reid, 1992). Pelo contrário, nos Estados Unidos não existe categoria que, social e legalmente, seja reconhecida como “mestiço” (Davis, 1991; Williamson, 1980). Aí, temos a ver com uma divisão que se assemelha mais à das castas definitivamente definidas e delimitadas (como prova, a taxa excepcionalmente baixa de intercasamentos: menos de 2% das afro-americanas contraem uniões “mistas”, em contraposição à metade, aproximadamente, das mulheres de origem hispanizante e asiática que o fazem) que se tenta dissimular, submergindo-a pela “globalização” no universo das visões diferenciantes.


Mas todos esses mecanismos que têm como efeito favorecer uma verdadeira “globalização” das problemáticas americanas, dando, assim, razão, em um aspecto, à crença americanocêntrica na “globalização” entendida, simplesmente, como americanização do mundo ocidental e, aos poucos, de todo o universo, não são su- ficientes para explicar a tendência do ponto de vista americano, erudito ou semi-erudito, sobre o mundo, para se impor como pon- to de vista universal, sobretudo quando se trata de questões tais como a da “raça” em que a particularidade da situação americana é particularmente flagrante e está particularmente longe de ser exemplar. Poder-se-ia ainda invocar, evidentemente, o papel motor que desempenham as grandes fundações americanas de filantropia e pesquisa na difusão da doxa racial norte-americana no seio do campo universitário brasileiro, tanto no plano das representações, quanto das práticas. Assim, a Fundação Rockefeller financia um programa sobre “Raça e Etnicidade” na Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem como o Centro de Estudos Afro-Asiáticos (e sua revista Estudos Afro-Asiáticos) da Universidade Candido Mendes, de maneira a favorecer o intercâmbio de pesquisadores e estudantes. Para a obtenção de seu patrocínio, a Fundação impõe como condição que as equipes de pesquisa obedeçam aos critérios de affirmative action à maneira americana, o que levanta problemas espinhosos já que, como se viu, a dicotomia branco/negro é de aplicação, no mínimo, arriscada na sociedade brasileira."


Alba Zaluar