sábado, 30 de dezembro de 2017

O ano de 2017 foi marcado culturalmente e existencialmente pelo “vão malandros”

O ano de 2017 foi marcado culturalmente e existencialmente pelo “vão malandros”. Os mais corruptos instalados no poder roubado e com a contribuição do judiciário, da mídia e da bolsa de valores, a corrupção reabilitada na República do Nepotismo ! A má malandragem, uma consciência ruim e infeliz de viver a vida aplicando golpes e rasteiras nos outros, caracteriza aspectos do comportamento nacional, não os tradicionais malandros e malandras da música, mas a turma da arte de furtar do ganho fácil, público e privado, do governo, do legislativo, do judiciário e de ex-militares no Brasil. Nenhuma sociedade sobrevive sem princípios éticos, sem o domínio da lei para todos e sem a legitimidade proporcionada somente pela hegemonia do voto democrático da maioria. O Brasil se converteu em uma caricata republiqueta golpista dirigida por figuras sombrias e nefastas como Temer, Aécio, Eduardo Cunha, Jucá, Moreira Franco, Rodriguinho Maia, Padilha, Marun e seus quadrilheiros fisiológicos, desnacionalizadores, entreguistas nos envergonhados MDB, PSDB e DEM, votófobos, os que têm medo do voto popular direto. Parte do judiciário golpista autoritário e lavajateiro está completamente podre e somente uma reformulação constituinte poderá regenerá-lo, tamanha a podridão na magistratura golpista, mamando acima dos tetos, advogando para causas plutocráticas e politiqueiras a serviço das oligarquias golpistas. A crise mental é tão grave que um candidato presidencial deficiente, que praticamente foi expulso das Forças Armadas, quer substituir o tradicional Patrono Duque de Caxias por outro patrono, o da masmorra e da tortura contra mulheres presas, deslustrando e emporcalhando completamente a missão dos militares na formação brasileira, outro sintoma da malandragem nepotista institucionalizada por verdadeiros inúteis e que nunca trabalharam, estudaram ou beneficiaram a maioria com suas míseras existências nas mordomias do legislativo. O Brasil termina 2017 com essa sofrida ressaca golpista, aumento do desemprego depois de reforma trabalhista malandra para beneficiar os mais ricos, reformas de Estado para garantirem os privilégios de poucos e a exclusão da maioria na educação e saúde. Aumentos dos preços do gás, combustíveis, energia, passagens, perdas salariais, tudo revela a farsa da malandragem, desde as fracassadas jornadas de junho de 2013 abrindo as portas para o golpismo. A mídia desqualificada é outro paraíso para malandros tipo golpe news, um pego em flagrante de racismo elitizado, como todos seus asseclas serão desmascarados na arte de manipularem e enganarem os Homer Simpsons paneleiros e coxinhas dos estratos médios incultos. 2017 fecha com a realização da meta de malandragem e de falência social dos golpistas cumprida. Não podem enganar todos o tempo todo. 2018 será um ano da verdade para os destinos do Brasil. Somente a democracia, eleições livres e com todos candidatos populares, principalmente Lula, o candidato na frente e crescendo nas pesquisas. Somente o consenso eleitoral do legítimo voto direto presidencial poderá garantir um futuro de estabilidade e progresso para todos. Sem democracia resta o caos.

RCO


Um acordo e seis verdades


Autor: José Luís Fiori
Valor Econômico - 26/05/2010

"A mediação bem sucedida de Lula com o Irã alçaria o Brasil no cenário mundial." O Globo, 16 de maio de 2010, p. 38.

Na terça feira, 18 de maio de 2010, foi assinado o Acordo Nuclear entre o Brasil, a Turquia e o Irã, que dispensa maiores apresentações. E como é sabido, quarenta e oito horas depois da assinatura do Acordo, os Estados Unidos propuseram ao Conselho de Segurança da ONU, uma nova rodada de sanções ao Irã, junto com a Inglaterra, França e Alemanha, e com o apoio discreto da China e da Rússia.

Apesar da rapidez dos acontecimentos, já é possível decantar algumas verdades no meio da confusão: 1) A iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia não foi uma "rebelião da periferia", nem foi um desafio aberto ao poder americano. Neste momento, os dois países são membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU, e desde o início contaram com o apoio e o estímulo de todos os cinco membros permanentes. Além disso, as diplomacias brasileira e turca estiveram em contato permanente com os governos desses países durante a negociação. A Turquia pertence à OTAN, e abriga em seu território armas atômicas norte-americanas. E o presidente Lula recebeu carta de estímulo do presidente Barack Obama, duas semanas antes da assinatura da visita de Lula, e a secretária de Estado norte-americana declarou - na véspera do Acordo - que se tratava da "última esperança" de solucionar de forma diplomática a "questão nuclear iraniana".

2) O que provocou surpresa e irritação em alguns setores, portanto, não foram as negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou muito improvável. Sua mediação viabilizou o acordo, e ao mesmo tempo descalçou a proposta de sanções articulada pela secretária de Estado americana depois de sucessivas concessões à Rússia e à China. E, além disso, criou uma nova realidade que já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados, e do Brasil e Turquia.

3) A reação americana contra o Acordo foi rápida e ágil, mas o preço que os Estados Unidos pagarão pela sua posição contra esta iniciativa pacifista será muito alto. Perdem autoridade moral dentro das Nações Unidas e perdem credibilidade entre seus aliados do Oriente Médio, com a exceção de Israel, por razões óbvias. E já agora, passe o que passe, o Brasil e a Turquia serão uma referência ética e pacifista, em todos os desdobramentos futuros deste contencioso.

4) Existe consenso que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da II Guerra Mundial, e reformulada depois do fim da Guerra Fria, já não corresponde à configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição dos recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos envolvidos nesse processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de segurança e interesse imediato da Turquia, mas no caso do Brasil, foi a primeira vez que interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse regional, envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potência global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França e, também, com relação aos países do Bric.

5) O acordo seguirá sendo a melhor chance para prevenir um conflito militar em todo o Oriente Médio. As sanções em discussão são fracas, já foram diluídas, não são totalmente obrigatórias, e não atingirão a capacidade de resistência iraniana. Pelo contrário, se foram aprovadas e aplicadas, liberarão automaticamente o governo do Irã de qualquer controle ou restrição, diminuirão o controle norte-americano e da AIEA, acelerarão o programa nuclear iraniano e aumentarão a probabilidade de um ataque israelense. Porque os Estados Unidos já estão envolvidos em duas guerras, e não é provável que a OTAN assuma diretamente esta nova frente de batalha, a despeito do anti-islamismo militante, dos atuais governos de direita, da Alemanha, França e Itália.

6) Por fim, o jornal "O Globo" foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.




"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." (João Guimarães Rosa)

REFLEXÃO SOBRE O OSSO DA MINHA PERNA



A parte mais durável de mim
são os ossos
e a mais dura também

como, por exemplo, este osso
da perna
que apalpo
sob a macia cobertura

ativa
de carne e pele
que o veste e inteiro
me reveste
dos pés à cabeça
esta vestimenta
fugaz e viva

sim, este osso
a mais dura parte de mim
dura mais do que tudo o que ouço
e penso
mais do que tudo o que invento
e minto
este osso
dito perônio

é, sim,
a parte mais mineral
e obscura
de mim
já que à pele
e à carne
irrigam-nas o sonho e a loucura

têm, creio eu,
algo de transparente
e dócil
tendem a solver-se
a esvanecer-se
para deixar no pó da terra

o osso
o fóssil

futura
peça de museu

o osso
este osso
(a parte de mim
mais dura
e a que mais dura)
é a que menos sou eu?


(do livro: "Em alguma parte alguma". autor: Ferreira Gullar. editora: José Olympio.)

LAPA VERMELHA, LAGOA SANTA



os ossos
varridos
pelas águas
da enxurrada

quietos
no amparo da pedra
esperaram
onze mil e quinhentos anos

até saltarem
em cacos
à luz do dia

— e agora, Luzia,
ainda te lembras
da dor?

(do livro: "Em trânsito". autor: Alberto Martins. editora: Cia. das Letras.)


SEGUNDA ELEGIA

 (Fabrício Carpinejar)

Ser inteiro custa caro.
Endividei-me por não me dividir.
Atrás da aparência há uma reserva de indigência,
a volúpia dos restos.

Parto em expedição para provar que já morri.
E escavo boletins, cartas e álbuns
— o retrocesso da minha letra ao garrancho.

O passado tem sentido se permanecer desorganizado.
A verdade ordenada é uma mentira.

O musgo envaidece as relíquias. Os dedos retiram as teias,
assisto à revoada de insetos das ciladas.
Fujo da claridade, refulge a poeira.
O par de joelhos na imobilidade de um rochedo.

Reviso o testamento alisando a textura,
como um gramático da seda.
Desvendo o que presta pelo som do corte.

O que ansiava achar não acho
e esbarro em objetos despossuídos de lógica
que me encontram antes de qualquer pretensão.

O que fiz cabe numa caixa de sapatos.

Colecionava talhos de madeira, bonecos
adornados com a ponta miúda do canivete.
Lá estava um dos sobreviventes, desfocado,
vizinho das medalhas escolares
e dos parafusos condoídos de ferrugem.

Um autorretrato não seria tão fidedigno.
Eu era aquela frincha de chão florido, casca e húmus.

Quantas foram as miudezas que não combinavam
com o conjunto e, na falta de harmonia,
abandonei no depósito da infância?

E se faltou confiança para restaurá-las ao convívio,
faltou coragem para excluí-las em definitivo.

Somos o desperdício do que estocamos.
Não aprendemos a desaprender.
Não doamos nada, nem a palavra passamos adiante.

O porão tem vida própria e respira
o que jogamos fora.
O que refugamos na ceia volta a nos mastigar.

Tudo pode fermentar: o forro, os passos, o odor do braço.
Tudo pode nascer sem o mérito do grito,
no murmúrio ou estalar do abraço.

Tudo pode nascer, ainda que abafado.


Daqui ninguém sai vivo

Rimbaud, em carta a Paul Demeny:

um poeta torna-se um sonhador através de um longo, ilimitado e
sistemático desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de
amor, de sofrimento, de loucura; investiga-se a si próprio, consome
dentro de si todos os venenos e preserva as suas quintessências. Um
tormento indescritível, onde irá encontrar a maior fé, uma força sobrehumana,
com que se torna, de entre todos os homens, o grande
inválido, o grande maldito – e o Supremo Cientista! Pois alcança o
desconhecido! E que interessa se for destruído no seu vôo extático por
coisas inauditas e inomináveis...*

* HOPKINS, Jerry. & SUGERMAN, Daniel. Daqui ninguém sai vivo. Lisboa: Assírio & Alvim, 1992, p.

29.

O caráter destrutivo


1931



É possível que alguém, ao fazer um retrospecto de sua vida, verifique que quase todas as ligações mais profundas que ele experimentou, tenham partido de indivíduos sobre cujo "caráter destrutivo" todo o mundo estava de acordo. Esbarraria um dia, talvez casualmente, nesse fato, e quanto mais duro fosse o choque, tanto maiores seriam suas chances de representar o caráter destrutivo.

O caráter destrutivo conhece apenas uma divisa: criar espaço; conhece apenas uma atividade: abrir caminho. Sua necessidade de ar puro e de espaço é mais forte do que qualquer ódio.

O caráter destrutivo é jovem e sereno. Pois destruir rejuvenesce, porque afasta as marcas de nossa própria idade; reanima, pois toda eliminação significa, para o destruidor, uma completa redução, a extração da raiz de sua própria condição. O que leva a esta imagem apolínea do destruidor é, antes de mais nada, o reconhecimento de que o mundo se simplifica terrivelmente quando se testa o quanto ele merece ser destruído. Este é o grande vínculo que envolve, na mesma atmosfera, tudo o que existe. É uma visão que proporciona ao caráter destrutivo um espetáculo da mais profunda harmonia.

O caráter destrutivo está sempre atuando bem disposto. A natureza lhe prescreve o ritmo, pelo menos indiretamente: pois ele deve adiantar-se a ela, do contrário ela própria assumirá a destruição.

O caráter destrutivo não se fixa numa imagem ideal. Tem poucas necessidades, e a menos importante delas seria: saber o que ocupará o lugar da coisa destruída. Primeiramente, pelo menos por um instante, o espaço vazio, o lugar onde se encontrava a coisa, onde vivia a vítima. Certamente vai aparecer alguém que precise dele, sem ocupá-lo.

O caráter destrutivo executa seu trabalho, evitando apenas trabalhos criativos. Assim como o criador busca a solidão, assim também o destruidor precisa cercar-se continuamente de pessoas, de testemunhas de sua eficácia.

O caráter destrutivo é um sinal. Assim como um sinal trigonométrico está exposto ao vento, de todos os lados, assim também ele está exposto, por todos os lados, aos boatos. Não tem sentido protegê-lo contra isso.

O caráter destrutivo não tem o mínimo interesse em ser compreendido. Considera superficiais quaisquer esforços nesse sentido. O fato de ser mal entendido não o afeta. Ao contrário, ele provoca mal entendidos, assim como o faziam os oráculos - essas instituições políticas destrutivas. O fenômeno mais pequeno-burguês, o falatório, só acontece porque as pessoas não querem ser mal entendidas. O caráter destrutivo não se importa de ser mal entendido; ele não fomenta o falatório.

O caráter destrutivo é o inimigo do homem-estojo. O homem-estojo busca sua comodidade, e a caixa é sua essência. O interior da caixa é a marca, forrada de veludo, que ele imprimiu no mundo. O caráter destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.

O caráter destrutivo se alinha na frente de combate dos tradicionalistas. Uns transmitem as coisas na medida em que as tomam intocáveis e as conservam; outros transmitem as situações na medida em que as tornam palpáveis e as liquidam. Estes são chamados destrutivos.

O caráter destrutivo tem a consciência do indivíduo histórico cuja principal paixão é uma irresistível desconfiança do andamento das coisas, e a disposição com a qual ele, a qualquer momento, toma conhecimento de que tudo pode sair errado. Por isso, o caráter destrutivo é a confiabilidade em pessoa.

O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas, por isso mesmo, vê caminhos por toda a parte. Mesmo onde os demais esbarram em muros ou montanhas, ele vê um caminho. Mas porque vê caminhos por toda a parte, também tem que abrir caminhos por toda a parte. Nem sempre com força brutal, às vezes, com força refinada. Como vê caminhos por toda a parte, ele próprio se encontra sempre numa encruzilhada. Nenhum momento pode saber o que trará o próximo. Transforma o existente em ruínas, não pelas ruínas em si, mas pelo caminho que passa através delas.

O caráter destrutivo não vive do sentimento de que a vida vale a pena ser vivida, e sim de que o suicídio não compensa.


Walter Benjamin