domingo, 1 de outubro de 2017

Por que algumas pessoas insistem que uma ideia filosófica depende muito da biografia do filósofo?


Muitos professores de filosofia insistem que o ensino e a análise de ideias filosóficas não podem ser feitos sem levar em conta a vida pessoal e profissional dos filósofos que as conceberam. No entanto, a justificação desta insistência não apresentam. Esta falta de justificativa é a primeira pista para entender a posição que tomam.
Quando não apresentamos justificativas de nossas posições, as pessoas interessadas no assunto vão procurar pontos que possam justificar as posições apresentadas. Fazemos uma retrospectiva da memória que temos da pessoa. Sua história pessoal, as relações que tivemos com ela, se for o caso, o tipo de trabalho que faz etc. Aí, se, por exemplo, a pessoa defende a liberação do uso de drogas, levamos em conta se ele é um usuário, se ela em algum outro momento conversou sobre o assunto, se ela é de esquerda etc. Enfim, procuramos razões para ela defender a ideia que defende na sua biografia. É isso que um historiador da filosofia faz quando filósofos não apresentam razões ou boas razões para as ideias que defende: ele vai procurar na biografia do filósofo. Não é por acaso, portanto, que os professores que mais insistem na importância da biografia de um filósofo são aqueles que estudam ideias filosóficas que não são bem justificadas.
Seguindo esta linha, constatamos que as pessoas que sustentam que o ensino e a análise de ideias filosóficas não podem ser feitos sem levar em conta a vida pessoal e profissional dos filósofos dão como já dado definitivamente que as ideias filosóficas são subjetivas. Isso significa que as ideias filosóficas dependem muito do sujeito que as concebem. Se alguém defende que a definição de conhecimento é X, ela defende isso devido, fortemente ou exclusivamente, a seus interesses pessoais. Assim, as ideias filosóficas, antes de ser sobre o mundo, são sobre as pessoas que as concebem. Por exemplo, Platão defendeu que a definição de conhecimento é X porque é desejo dele que a definição seja essa, não porque ela de fato é essa. Nessa situação, faz todo sentido considerar a biografia de um filósofo como indispensável para entender suas ideias.
Já com relação às ideias de outras áreas de conhecimento, pensam que são objetivas ou possuem graus de objetividade que as filosóficas não possuem. Por isso, não veem dificuldades em ensinar e analisar uma ideia da física ou da matemática independente da biografia do autor.
O problema é que não é definitiva ainda a posição de que as ideias filosóficas são subjetivas e as ideias das ciências naturais e da matemática são objetivas. Este é um problema filosófico em aberto. Muitos filósofos, inclusive eu, defendem que as ideias filosóficas são mais objetivas. Outros são céticos, ou seja, não tomam posição sobre o assunto. Enfim, a resposta para este problema ainda está sendo investigada. E não há uma resposta definitiva ainda.
No mínimo, portanto, as razões que um subjetivista filosófico tem para considerar a biografia de um filósofo são as mesmas que um objetivista ou um cético tem para não considerar. Caso o subjetivista ache que ele tem razões melhores, é preciso apresentar. Apenas expressar uma posição é expor uma mera opinião. E acho que há consenso de que o ensino de filosofia não é o ensino de meras opiniões. Pois seria a disseminação de preconceitos, de ideias sem a devida avaliação crítica.
Thiago Melo

Crítica Autônoma


Nenhum comentário: