sexta-feira, 29 de setembro de 2017

IV - HOMENAGEM A OLAVO BILAC




IV

Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria

Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...

Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...

Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.

Olavo Bilac

1

“Entra dourando a areia dos caminhos”
O sol se transformando em guia e fonte,
Reinando sobre a linha do horizonte
Guiando os tantos pássaros aos ninhos.
Forrando a terra em áurea maravilha
Azulejado céu se torna imenso,
E quando neste brilho paro e penso,
Minha alma em luzes fartas também trilha
Seguindo cada raio na manhã
Deveras tão fantástica que vejo,
Iridescentes lumes num lampejo,
E a vida recomeça o seu afã.
E tendo sob os olhos tal beleza,
Verseja dentro em mim a natureza.

2

“E o sol do amor, que não entrava outrora,”
Ao perceber distante dos meus olhos
Jardim que agora entranha-se em abrolhos
Enquanto esta aridez tudo devora.
Encontro sob os raios deste sol
Sobeja maravilha que, infinita
Deveras transformando uma desdita
Traçando em minha vida, este farol.
Percebo que se emana dentro da alma
Prismático e sem par, raro espetáculo,
Não tendo mais sequer qualquer obstáculo,
Imensa claridade já me acalma,
Excelso dia, eu sinto me tocando,
Num ar suave e manso, claro e brando...

3

“Palpitam flores, estremecem ninhos,”
Envoltos pela intensa claridade
Tornando bem mais bela a realidade,
Não tendo mais meus dias tão sozinhos,
Permito-me sonhar e em cada sonho
Deveras se pressente um Paraíso,
O passo destemido e mais preciso,
Num raro amanhecer que ora componho,
E vendo-te tão bela em luzes fartas,
Rondando a minha mente, fantasias,
E enquanto com prazeres tu me guias
As dores e os temores; já descartas.
Seguindo cada passo rumo à paz
Que amor, sem ter limite; quer e traz.

4

“Tinge o cimo das árvores a aurora’
Derrama sobre a Terra em áureos tons,
E os pássaros entoam vários “C
Enquanto a Natureza se decora.
Pudesse ter deveras a certeza
Do quanto se faz raro este momento,
Teria pelo menos um alento,
Gerando dentro em mim tal fortaleza
Que nada impediria o meu caminho
Aonde se pensara em dor e tédio,
O amor se demonstrando este remédio
Trazendo a paz aonde ora me aninho.
Seguindo cada passo desta luz,
O brilho em teu olhar se reproduz...

5

“Soltam festivamente os passarinhos”
Vagando por diversas direções,
Nos cantos mais fantásticos me expões
Belezas que se espalham nos caminhos,
E quando me percebo mais feliz
Vivendo desta forma, sem temores,
Sabendo em meu canteiro tantas flores
E nelas farto amor que me bendiz.
Tomado por carinhos, sigo em frente
Deixando no passado a dor imensa,
E quando tenho em ti a recompensa,
O mundo se transforma, num repente.
E sinto neste céu tal festival
De um canto mavioso, sem igual...

6

“Hoje, entre os ramos, a canção sonora”
Dos pássaros trazendo na alvorada
A imagem tão sobeja quão dourada
Nesta manhã divina que se aflora.
Mergulho em cada raio fulgurante
Que emana-se tomando todo o espaço
E quando neste sol divino eu traço
Porquanto em tal beleza se agigante
O sonho mais audaz e a divindade
Trazendo para tantos, luz e vida
A história noutras eras já perdida
Agora de esperança enfim se invade.
Tornando bem mais belo o meu jardim,
Derrama maravilhas sobre mim...

7

“Como a floresta secular, sombria”
A vida se mostrara em árdua cor,
E tendo tão somente o desamor,
A sorte a cada corte desafia,
E eu tento vislumbrar alguma sorte
Diversa da que tanto me maltrata,
A vida se por vezes é ingrata
Sem ter sequer quem mesmo nos conforte,
Percebo ainda ao longe num relance
O brilho deste sol que se aproxima
E nele com certeza nova estima
Tocando minha pele em belo alcance.
Lançando o meu olhar neste horizonte
Permito que este amor, novo, desponte...

8

“Tinhas o coração ermo e fechado”
Depois dos vendavais e tempestades,
A vida traz correntes, frias grades,
Porquanto ainda vivo o teu passado,
Mas quando nos meus braços te entregaste
Mudando a direção dos ventos, vi
Que toda esta pujança havia em ti
Gerando com a dor raro contraste,
Bebendo cada gota deste encanto,
Já não se vê mais dores no caminho,
E quando nos teus braços eu me aninho,
Um pássaro liberto, enfim, eu canto.
E sei que tu também segues tranqüila
Na glória que este amor, raro, destila...

9

“Assim também, da luz, o amor privado”
Jamais encontraria amanhecer
E tendo mais distante algum prazer
A dor já dominando rumo e Fado.
Pudesse ter nas mãos a minha sorte
Não haveria tanto sofrimento,
E quando nos teus braços eu me alento
Encontro quem deveras me conforte,
Trazendo lenitivo às tantas dores
Mudando a direção, em paz prossigo,
E tendo neste amor um raro abrigo,
Seguindo cada passo aonde fores,
As flores renascendo no canteiro,
Num sol sobejo e claro, verdadeiro...

10

“Não atravessa nunca a luz do dia,”
A sombra do que fora desamor
Ao mesmo tempo em ti percebo a cor
Que o coração deveras já recria
Matizes tão diversos da emoção
Alheias fantasias do passado,
Agora ao ver meu rumo ensolarado,
Jamais conhecerei a solidão.
Vestindo de ilusão meu peito eu sigo
Enfrentando as tempestas mais vorazes
E quanto mais amor, querida trazes
Maior a sensação de imenso abrigo.
Não deixe que este encanto finde, pois,
É dele ora o futuro de nós dois...

11

“Do tigre, e cuja agreste ramaria”
As garras com os ramos misturados
Caminhos que pensara abençoados
Transformam a beleza em agonia.
A fera se mostrando atocaiada
Floresta impenetrável, desamores,
Aonde se pensara colher flores,
A morte sendo assim anunciada.
Vencido pelo medo, nada tenho
Somente este vazio dentro da alma,
Nem mesmo uma alegria inda me acalma,
Pois sinto quão é frágil tal empenho.
Do tigre, da floresta, do terror,
O fim do que pensara eterno amor...

12

“Onde apenas, horrendo, ecoa o brado”
Da fera que prepara-se em espreita
A sorte malfadada não aceita
Destino pelos deuses já traçado.
O peso do viver se acumulando
Vergastas me cortando dia a dia,
Aonde se pensara em fantasia,
Em tempo mais suave, ameno e brando
Imenso temporal ora aproxima
E deixa em polvorosa a Natureza,
Lutando contra a intensa correnteza,
Sem ter sequer o sonho que redima,
Prepara-se o final da minha história
Deveras dolorida e merencória...

13

“Virgem do passo humano e do machado”
Florestas dentro da alma mais ferozes,
Jamais ouvindo enfim dos sonhos vozes,
Amor há tanto tempo abandonado.
Vivendo sem saber sequer ternura,
O corte se prepara a cada instante,
E o que pudera ser mais deslumbrante
Transforma qualquer brilho na loucura
Que doma e não permite a caminhada
Daquele que se fez um eremita,
A sorte se transforma na desdita,
Jamais reconhecendo uma alvorada,
A negritude imensa do arrebol,
Impede o brilho farto de algum sol.

14

“Como a floresta secular, sombria,”
Minha alma se perdendo em turvas águas
Trazendo tão somente frias mágoas
Do que vivera outrora em fantasia.
Não tendo com certeza a boa sorte
Que tanto desejara quem sonhava,
Apenas nos meus olhos, fogo e lava,
Seguindo cada passo sem suporte.
Pressinto assim o fim do sonho e então
Depois da tempestade sem bonança
Restando algum resquício de esperança,
Quem sabe novos dias me trarão
Após o sofrimento e o desprazer,
O sol num belo e claro amanhecer!


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